Suzana Camargo – Planeta Sustentável

 

Entrevista da Profa. Lia Diskin sobre Irena Sendler, para o Planeta Sustentável. 

Foi somente no final da vida que Irena Sendler teve sua história revelada ao mundo. Durante os horrores do nazismo na Segunda Guerra, a então jovem polonesa salvou da morte mais de duas mil crianças judias. A trajetória espetacular e emocionante desta mulher já pode ser lida na versão em português do livro lançado pela Palas Athena. Nesta entrevista, Lia Diskin conta sobre o desafio para trazer o livro ao Brasil, a motivação que sentiu para traduzir a obra e, sobretudo, o legado que Irena deixou à humanidade

“A conheci quando já não era possível conhecê-la”. Foi assim que Lia Diskin, professora, co-fundadora da Associação Palas Athena e conselheira do Planeta Sustentável, escreveu e se sentiu ao descobrir a história de Irena Sendler. Em 2008, um dia após a morte da senhorinha polonesa de cabelos muito brancos e sorriso encantador, Lia leu uma breve nota num jornal brasileiro sobre o falecimento.

Curiosa sobre a notícia, já que era mencionado que Irena tinha salvo milhares de crianças judias durante a ocupação nazista da Polônia, a professora fez uma busca na internet e entre amigos poloneses para saber mais sobre a vida de Irena Sendler. Descobriu então que ela nunca havia sido homenageada no Brasil e decidiu que esta era uma biografia que merecia ser divulgada em português.

Cinco anos depois de ser tocada pela grandiosidade da jovem polonesa, Lia Diskin vê finalmente o reconhecimento da enfermeira polonesa por meio do livro A história de Irena Sendler – A mãe das crianças do Holocausto*, escrito pela jornalista Anna Mieszkowksa e traduzido pela editora Palas Athena.

Na entrevista abaixo, Lia conta sobre o desafio para trazer o livro ao Brasil, a motivação que sentiu para traduzir a obra e, sobretudo, o legado que Irena Sendler deixou à humanidade.

O que chamou tanto sua atenção nesta história?
Irena era católica e não tinha nenhum parentesco com judeus ou com a comunidade judaica. Como se dá isso? Como alguém com 30 anos consegue enfrentar o terror imposto pelo Nazismo, uma ocupação daquelas dimensões na Polônia e nãosomente um dia, dois dias, mas um ano, dois anos, três anos seguidos sabendo que as consequências daquele gesto seriam dramáticas?

Como foi a busca pela biografia de Irena Sendler?
Tomei conhecimento que havia uma publicação sobre sua vida, escrita por uma jornalista polonesa. Procurei o livro em inglês, mas estava esgotado. Consegui entãoum exemplar da publicação em alemão. Por meio do Consulado da Polônia encontrei o contato da editora polonesa, mas não obtinha resposta. Mandei vários emails, cartas registradas e finalmente recebi sinal de que a obra poderia ser traduzida para o português – já havia versões em italiano e francês também. Imediatamente, a Editora Palas Athenas pediu os direitos autorais da obra. Tomamos muito cuidado com a tradução e conseguimos inclusive melhorar a imagem de um facsímile que na versão polonesa estava praticamente ilegível, mas tivemos acesso ao fax original do Arquivo Nacional de Varsóvia.

Por que os atos de Irena ainda nos tocam tanto?
Seguimos em tempos muito rasos. Tempos em que cada um está muito preocupado consigo mesmo e se pergunta “o que eu tenho a ver com isto?” quando é chamado a participar de causas humanitárias. As pessoas pensam que isso não é do interesse delas. Poder ter em tempos como estes o exemplo de uma mulher jovem como Irena, engajada em uma causa que não lhe dizia respeito e que compreende a dimensão da monstruosidade humana perante qualquer grupo – seja de ordem religiosa, racial, ideológica, e colocar em risco a própria existência, que valor interno se sobrepõe ao princípio da sobrevivência. O que havia na alma desta jovem que arriscou a vida simplesmente para salvar crianças com as quais não tinha nenhum vínculo afetivo? E volto a dizer, não uma vez, mas durante três anos seguidos.

De que maneira ela conseguiu salvar as crianças do gueto?
Sistematicamente Irena buscou maneiras diferentes para tirar as crianças de lá. Escondia-as em maletas, em latas de lixo ou ainda debaixo do assento da ambulância em que ela saía do Gueto de Varsóvia. Ela procurou constantemente meios e instrumentos hábeis para resgatar vidas. Isso tem uma dimensão extraordinária sobre os dias de hoje e principalmente para a juventude do mundo inteiro que está tão autofocada no próprio sustento, próprio reconhecimento e próprio prestígio.

Por que demorou-se tanto a reconhecer os atos de heroísmo de Irena Sendler?
Quando as forças alemãs foram derrotadas, a Polônia passou a pertencer à Cortina de Ferro, ou seja, à União Soviética. E toda a ação heróica desta mulher é silenciada, a tal ponto que quando foi chamada pelo governo de Israel a receber um prêmio dereconhecimento e gratidão por parte dos sobreviventes, a Polônia não dá a ela autorização para sair do país. São as ideologias pervertendo e ocultando os fatos. Por isso foi tão importante o resgate e o reconhecimento que ela teve no final da vida – ela morreu com 98 anos. É quase como lavar a alma da humanidade inteira! Sua trajetória acabou vindo à tona através da internet. É extraordinário como de algum modo a história encontra veios e caminhos para resgatar algo de significativo e extraordinário como o heroísmo desta mulher.

Qual tem sido a reação das pessoas que já leram o livro?
Recebo diariamente manifestações de gratidão pelo fato de termos publicado a obra. A história está reverberando. Com todo respeito e admiração que merecem Ghandi, Mandela e Martin Luther King, mas eles lutaram por causas que lhes eram próprias. Irena não tinha absolutamente nada a ver com a causa judaica, com a identidade que estava ameaçada. Isso é muito pouco usual na história da humanidade. Há no humano, em cada um de nós, um espaço para a consciência moral, o comprometimento ético e para a luta pela dignidade humana. E Irena Sendler encontrou este espaço. E se esse espaço existiu num exemplar humano, sem dúvida deve estar em todos nós.

*A história de Irena Sendler – A mãe das crianças do Holocausto está à venda nas principais livrarias do país e também no site do Instituto Palas Athena.

Confira a matéria original no site do Planeta Sustentável.

Suzana Camargo
Planeta Sustentável – 04/12/2013