Denise Ribeiro – Para Palas Athena

 

O público que compareceu ao evento Encontros Inspiradores, no último dia 8 de outubro, no Senac Faustolo, em São Paulo, teve o privilégio de dialogar por cerca de uma hora com os pensadores Lia Diskin, Humberto Maturana e Ximena Dávila.

Sentados no centro de um grande círculo formado pelos participantes, os três responderam a várias perguntas da plateia. “Amar é a condição constitutiva do viver em geral”, explicou Maturana. “Nosso verdadeiro problema é que negamos o amor. Toda discriminação consiste na negação do amar, na negação da legitimidade do outro”, disse. “O amor é a síntese do desejo da convivência”, afirmou a professora Lia Diskin.

Para Maturana, a negação do amar é o maior sofrimento do ser humano. “O ver, o ser visto, o escutar e ser escutado se traduzem em ser amado. Quando uma pessoa diz ‘você já não me ama’, está dizendo que não está sendo ouvida, percebida”, ensina ele. “Se não somos amados ressecamos”, lembrou Ximena Dávila.

Segundo Humberto Maturana, a linguagem consiste num modo de convivência: “Ela funciona como coordenadora dos nossos sentires e fazeres, das nossas emoções. A linguagem não nos atrapalha, a não ser quando nos tornamos donos da verdade, quando queremos impor nossa visão política, religiosa”, argumenta o biólogo chileno.

Ele explica que nossos ancestrais conheciam seu mundo, sabiam o que fazer. Quando surge a linguagem, aparecem as perguntas, o explicar e a discrepância das explicações. Então, a coerência espontânea do conviver passa a se confundir com o forjar, o mentir, o enganar.

Alguém da plateia pergunta: “Em que momento se deu o rompimento da humanidade com o amor?”. “Foi quando perdemos a coerência com o mundo natural”, responde Ximena. “Essa fratura psíquica veio com a misoginia, que muitas vezes se confunde com o machismo. É o ódio à mulher (partindo muitas vezes das próprias mulheres), mas também à Pacha Mama, que é a própria terra”, argumenta a professora, que junto com Maturana fundou a Escola Matríztica do Chile – onde desenvolveram o conceito de Biologia Cultural e onde se dedicam a investigar, estudar e desenvolver projetos orientados para um fazer ético, responsável e sustentável.

Com essa fratura psíquica, o amar espontâneo desaparece, cedendo lugar para a cultura da discriminação. “Todo sofrimento é de origem cultural. Que espaço temos para amar, para nos escutarmos para sermos legítimos uns com os outros?” provoca Ximena, convidando-nos a voltar ao “lugar sensorial e emocional” que emerge de nossa natureza interna.

“Somos frutos de uma história, mas só existe o presente. Vivemos imersos na linguagem, cada palavra gera um mundo, em entrelaçamento do sentir, das emoções. Conversar é dançar junto”, ensina ela.
“Diálogo vem de logos, da razão, enquanto conversar significa dar voltas juntos, fazer juntos”, completa Maturana.

O “fazer juntos”, o cooperar nos convida a praticar a ética social. Para o biólogo chileno, a grande pergunta é ‘queremos conviver?’. Se a resposta for positiva, essa convivência deve ser pautada no respeito mútuo, na confiança, no conversar para resolver conflitos. “Somos os únicos seres vivos para os quais importam as consequências dos próprios atos. Não quero fazer aquilo que resulte negativo para mim e para os outros”, argumenta ele.

Para Ximena, amar é deixar que o outro apareça como legítimo, mas também é amar-se a si mesmo, com suas luzes, é um constante desapego das expectativas, é focar mais no processo do que no resultado.

“As expectativas nunca se cumprem. Nem as próprias nem as alheias. Quem não sabe disso entrega sua liberdade a uns e a outros”, defende Maturana.
Antes da rodada de perguntas, os três professores fizeram uma rápida explanação de ideias. “O amar é um processo que faz com que eu me importe com o outro de verdade”, disse Ximena.

Em sua fala, a professora Lia Diskin ofereceu três conceitos essenciais para que a convivência seja pautada por princípios éticos: ubuntu, termo de origem africana, que significa generosidade, solidariedade e compaixão pelo outro, satyagraha – o princípio do “insistir na verdade” e da não-violência proposto por Gandhi – e mottainai, conceito japonês de repúdio ao desperdício, segundo o qual todos os objetos (animados e inanimados) merecem ser tratados com cuidado e sensatez. Praticar esse conceito requer aprender a respeitar e valorizar o ambiente, reciclando e reutilizando os recursos naturais o máximo possível.

“Mottainai significa não tirar a dignidade das coisas, não desperdiçar. Todas as coisas têm uma raiz, cuja árvore jamais vamos conhecer”, ensina Lia Diskin, que é cofundadora da Palas Athena. “A paz é verde, vai depender das florestas”, completa. O satyagraha ela relaciona ao “fazer as coisas com o coração, honestamente”, enquanto o ubuntu encerra o entendimento de que só podemos ser felizes quando todos o são. “Acho que esses três conceitos podem ser os mandamentos para o século 21”, sugere Lia Diskin.

Encontros Inspiradores é uma realização do Projeto Cooperação, que tem como propósito reunir pessoas que se dedicam a inspirar e realizar ações que colaboram com a construção de um mundo melhor para todos(as), sem exceção.