Sandra Godoy – Palas Athena

 

“Quando os nazistas decidiram exterminar o povo judeu, eu não pude simplesmente olhar para isso com indiferença”. Assim Irena Sendler, uma cristão polonesa que salvou milhares de crianças judias na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), explica sua atitude frente ao horror do holocausto, que teve no Gueto de Varsóvia um de seus piores capítulos.

Sua vida, antes e depois da guerra, é contada por Anna Mieszkowska no livro “A história de Irena Sendler – a mãe das crianças do holocausto”, publicado pela Palas Athena Editora (trad. Eduardo Natalin). Irena presenciou a invasão da Polônia e a construção do Gueto de Varsóvia em 1939, onde foram confinados milhares de judeus poloneses para morrer de inanição, doenças, como tifo, ou ser enviados para os campos de extermínio.

Por conta de seu trabalho como assistente social, ela tinha acesso ao gueto. Ao perceber que o destino das pessoas que para lá foram enviadas seria a morte, ela teve a ideia de salvar pelo menos os adolescentes, crianças e os bebês. Em suas visitas ao gueto, ela perguntava aos familiares se eles estavam dispostos a entregar seus filhos a estranhos que poderiam garantir sua sobrevivência. Alguns se recusaram, mas muitos tiveram a suprema coragem de se separar dos filhos, sobrinhos e netos, com praticamente a certeza de que nunca mais os veriam.

Irena organizou e liderou um grupo que, durante a ocupação, estima-se que salvou da morte certa mais de 2.500 crianças, embora este número possa ser maior. Elas eram tiradas do gueto em ambulâncias, caixas, carroças cobertas e até mesmo pelo esgoto. Ao atravessar para o lado “ariano” de Varsóvia, tinham seus documentos trocados para passarem por cristãs (graças ao trabalho conjunto com igrejas e conventos e toda uma rede de solidariedade na Polônia ocupada), e encaminhadas para adoção por famílias polonesas, orfanatos ou conventos.

Irena Sendler, conhecida pelo codinome Irmã Jolanta, fez esses resgates por conta própria até 1942, quando juntou-se à Zegota, uma organização clandestina de ajuda aos judeus, que passou a fornecer meios para o prosseguimento da missão. E foi graças à Zegota que ela também escapou da morte, pois foi presa em 1943, passou três meses na cadeia de Pawiak, onde foi torturada e condenada ao fuzilamento. A organização subornou um guarda nazista, que a libertou momentos antes da execução. A partir daí, Irena entrou para a clandestinidade.

Para garantir que as crianças, ao término da guerra, pudessem retornar às suas famílias (as poucas que sobreviveram) e recuperar sua identidade judaica, Irena guardou seus nomes em bilhetinhos dentro de potes, que foram enterrados em um jardim. Depois da guerra, em 1945, começou a devolução das crianças e, graças à missão arriscada que quase lhe custou a vida – mas tirou a de muitos companheiros – muitas puderam reencontrar seus parentes e recomeçar a sua história, interrompida pelos horrores do holocausto.

Esta história de coragem, bondade e compaixão ficou escondida durante décadas, já que logo depois da guerra a Polônia passou a pertencer à Cortina de Ferro, que durou até o final dos anos 1980. As autoridades pró-soviéticas, desconfiadas de ativistas que não se alinhavam ao regime comunista e, principalmente, de ativistas pró-judeus, praticamente relegaram Irena a uma segunda clandestinidade, da qual saiu quase por acidente em 1999.

Neste ano, quatro alunas de uma escola secundária de uma pequena cidade no interior do Kansas (EUA), começaram um projeto de história a partir de um pequeno artigo sobre Irena Sendler. O professor de História, que sugeriu o trabalho, disse às jovens que o artigo deveria estar errado, pois ele nunca havia ouvido falar de uma pessoa que tivesse salvado mais de duas mil crianças do Gueto de Varsóvia. As alunas começaram a pesquisa e, quando souberam que Irena estava viva, passaram a trocar cartas com ela.

O projeto resultou em uma peça de teatro, “Holocausto: a vida num pote”, encenada pelas próprias alunas. A partir daí, a história de Irena Sendler passou a ser conhecida mundialmente, trazendo à luz um dos episódios mais importantes – e quase desconhecido até então – da Segunda Guerra Mundial.

O livro de Anna Mieszkowska foi publicado em 2004, a partir de inúmeras entrevistas com a própria Irena, já idosa e com a saúde frágil, mas com uma memória inacreditável para uma nonagenária (ela faleceu em 2008, com 98 anos), e com as crianças salvas – então pessoas com mais de 60 anos – e uma vasta documentação.

A descrição do horror vivido naqueles seis anos de ocupação, guerra e extermínio – e que muitos carregaram por toda a vida – poderia tornar a leitura pesada, difícil. Mas, a forma como a autora conta a história – brilhantemente traduzida para o português por Eduardo Natalin – tem o tom da compaixão, da coragem, da tolerância. Uma leitura que se faz absolutamente necessária nos dias atuais, nos quais ameaças em vários cantos do mundo podem trazer de volta o pesadelo vivido por milhões – e que teve entre seus herois Irena Sendler e seus companheiros.

Clique aqui e saiba mais sobre o livro “A história de Irena Sendler – a mãe das crianças do holocausto”