A idéia dominante que prevaleceu até ao presente nas nossas sociedades é que só é possível lutar eficazmente contra a violência opondo-lhe uma contra-violência. Se tantos filósofos, tendo afirmado a exigência ética da não-violência, não souberam fazer outra coisa senão reconhecer a necessidade e a legitimidade da contra-violência, é porque não estiveram em posição de conceber uma ação não-violenta contra a violência. Na nossa cultura, tudo nos leva a pensar a nossa relação com a violência através do par violência/contra-violência e não através do par violência/não-violência. A convicção que funda a opção pela não-violência é que a contra¬-violência não é eficaz para combater o sistema da violência porque, na realidade, ela própria faz parte dela, e mais não faz do que mantê-la e perpetuá-la.

O princípio de não-violência implica a exigência de procurar uma maneira não-violenta de agir eficazmente contra a violência. A experiência de muitas lutas mostrou a eficácia da estratégia da ação não-violenta para permitir aos homens e aos povos recuperarem a sua dignidade e liberdade. É claro que esta eficácia é forçosamente relativa e o insucesso é sempre possível, mas a ação não-violenta permite ao homem ter uma atitude coerente e responsável face à violência dos outros homens. Contudo, não é a eficácia da ação não-violenta que justifica o princípio de não-violência. Se quiséssemos limitar-nos a fundamentar a pertinência do princípio de não-violência na eficácia da ação não-violenta, cedo ou tarde acabaríamos por esbarrar nos limites dessa ação e, nesse momento, deveríamos recusar a legitimidade desse princípio.

O princípio de não-violência leva-nos a operar uma revolução copernicana na nossa maneira de pensar a eficácia da luta contra a violência. Desde há séculos que estamos habituados a pensar a eficácia como sendo essencialmente o efeito da violência. Mais ou menos conscientemente, acabamos por identificar a eficácia com a violência. Mas só queremos perceber a eficácia da violência e recusamo-nos a ver a violência da eficácia, isto é, ocultamos aos nossos próprios olhos a violência da violência.

Através do par violência/contra-violência, a luta contra a violência é conduzida pela oposição frontal aos seus efeitos mecânicos. Trata-se de um choque de duas forças físicas da mesma natureza. Para vencer a violência, é então necessário implementar uma violência maior. É claro que, no imediato, a contra-violência pode conseguir destruir a mola da violência contrária e fazer-nos acre¬ditar que obtivemos uma vitória. Mas, na realidade, essa vitória tem todas as probabilidades de se revelar ilusória, pois, decididamente, fortalecemos o ascendente da violência na história, contribuímos para fechar a história na lógica da violência, fizemos da violência uma necessidade. Recorrer à contra-violência para combater a violência é correr o risco de alongar indefinidamente a cadeia das violências. Através do par violência/não-violência, trata-se de destruir essa cadeia. É claro que a ação não-violenta visa igual¬mente interromper os efeitos da violência, mas esforçando-se em primeiro lugar por lutar contra as suas causas. Mais do que querer conter as águas da torrente, trata-se de esgotá-la na fonte.

 

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