Chiune Sugihara
Sugihara vinha de uma família de samurais, na qual a obediência e o patriotismo são valorizadíssimos. Mesmo assim, ele ousou desrespeitar seu governo, arriscando a carreira e a vida. A história começava um ano antes, quando o Japão instalou, em Kaunas – cidade estrategicamente situada entre Alemanha e Rússia –, um consulado de um homem só. Escolheu para o posto Sugihara, então com 39 anos, por seu domínio do idioma russo e sua carreira diplomática brilhante.
Seis meses depois, Hitler invadiu a Polônia. Em seguida, França e Inglaterra declararam guerra à Alemanha – que se aliou ao Japão de Sugihara. A Lituânia encheu-se de judeus poloneses que tentavam se salvar do nazismo. Em meados de 1940, muitos deles foram pedir ajuda ao cônsul holandês, Jan Zwartendijk, que tinha ordens de ajudar. Naquela época, a Holanda, assim como quase toda a Europa, estava sob domínio nazista. Mas havia uma esperança: o Suriname e a Ilha de Curaçao, no Caribe, ambas possessões holandesas, estavam longe das mãos de Hitler e podiam receber judeus. O problema é que, àquela altura, o único modo de chegar ao Caribe era cruzando a Ásia e o Oceano Pacífico. As autoridades russas concordavam em ajudar, desde que os refugiados tivessem um visto japonês – já que a Ilha do Sol Nascente faria parte do trajeto.
É aí que Sugihara entrou na história. Quando viu uma multidão de judeus às portas do consulado, pediu autorização ao seu governo para emitir vistos de trânsito. A resposta veio por telegrama: “Absolutamente não. Sem exceções. Assunto encerrado”. Nada surpreendente.
Aquela noite foi provavelmente a mais difícil da vida do diplomata. Depois de uma longa conversa com a esposa, decidiu que precisava ajudar aquela gente condenada à morte, mesmo traindo a pátria. Para piorar, os soviéticos invadiram a Lituânia e ordenaram o fechamento de todos os consulados. Sugihara tinha que agir rápido. Pediu aos russos uma extensão de 20 dias no prazo para deixar o país, mudou-se para um hotel e começou uma tentativa desesperada de emitir vistos de trânsito para os fugitivos.
Graças a ele, milhares de poloneses e lituanos – entre 2 000 e 6 000 pessoas – conseguiram embarcar no trem Trans-Siberiano para Vladivostok, de onde saía o barco para o Japão. O cônsul emitiu vistos até o último momento – dizem que jogou dezenas deles carimbados e assinados pela janela do trem que o levou a Berlim.
A desobediência valeu a Sugihara uma brusca interrupção de sua brilhante carreira diplomática. Dispensado pelo governo, ele teve que contentar-se com um trabalho de tradutor. Mesmo assim, jamais alardeou seu heroísmo. Só em 1969 foi encontrado por Yehoshua Nishri, um dos judeus que ele salvou. Centenas de outros relatos logo começaram a aparecer. Aos poucos, o Yad Vashen (Memorial do Holocausto), uma instituição sediada em Israel que se dedica a manter vivas as lembranças da tragédia nazista, foi percebendo a importância de Sugihara. Quase 50 000 pessoas – incluindo os descendentes – devem sua vida a ele.
Apenas em 1985, 45 anos depois de seu ato heróico, o ex-cônsul foi considerado “justo entre as nações”, a mais alta honraria concedida pelo Yad Vashem, e uma árvore foi plantada em sua homenagem. Aos 85 anos, ele estava muito doente para receber o prêmio pessoalmente. Morreu no ano seguinte. Em sua lápide, está gravado seu primeiro nome: Chiune. Coincidência ou não, essa palavra, em japonês, quer dizer “mil novas vidas”.
Revista Superinteressante – Da redação: 31/outubro/2016
Artigo de Fernanda Campanelli Massarotto – Publicado em 30/setembro/2001
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