São Paulo, 26 de julho de 2013.
Retiro Internacional – Geshe Labsang Tenzin Negi: “Cultivo da compaixão – uma abordagem cognitiva”
https://www.palasathena.org.br/2013/04/19/2013/
Training Retreat
A abordagem é de um protocolo de 2004 proposto na Universidade de Emory. A base é a prática de Lojong, que tem 2.500 anos. Chronic Stress and its impact on Health. Stress = our troubles.
Em 2002/2003, na Emory University, tivemos várias crises mentais / emocionais entre os estudantes. Tivemos 2 suicídios em cada um desses anos. Saúde mental, isso era o que se estava precisando. Dr. Charles trabalhava nessa época em pesquisas sobre meditação; ele é um especialista em saúde mental e depressão. Prozac e outros medicamentos não são para ele a forma de solucionar tais problemas. Ele estando na Emory, podíamos trabalhar juntos no desenho deste tipo de prática que vamos expor durante este retiro.
Vivemos em uma sociedade altamente estressante e, seguramente, a situação vai se agravar. Há uma correlação entre o estresse e os problemas mentais. Esta forma de vida promove estresse no cenário mental, social. Mas é superlativo o que projetamos no mundo em que vivemos.
Dr. Roberto Sapolsky ─ “por que as zebras não ficam com úlcera ou estressadas?”. Elas desligam a resposta aos estressores quando a situação estressante acaba. Nós, humanos, continuamos plugados a esses estressores, e isso tem um custo para nosso corpo. No início de 1970, Benson, em Harvard, constatou que o estresse é promotor de anomalias como hipertensão, problemas cardíacos. Ele estudou a Meditação Transcendental e viu que essa prática promovia o desligamento desses estressores, permitia o relaxamento.
O excesso de estresse contribui para as doenças mentais, entre elas a depressão, se propagarem tão rapidamente no mundo moderno. A causa do estresse é produzida pela mente. Medicamentos não são suficientes. Talvez a compaixão possa contribuir naturalmente para minimizar esse estresse. Nossa hipótese é que a prática da compaixão nos permite reduzir o exagero com o qual avaliamos pessoas, situações, o futuro etc.
A literatura budista está cheia de citações sobre compaixão. Para o Dalai Lama, amor e compaixão não são luxos, são a base de qualquer desenvolvimento espiritual.
Como desenvolver a compaixão?
Modelo ─ “Enxergar, ter a visão, o comportamento e a meditação” ─ “Como vemos nossos vizinhos, nossa família, nosso futuro, nossos projetos tem um tremendo impacto em como tratamos os outros.”
Há uma conexão íntima entre a forma de ver a nós próprios, os outros, e a percepção ética, o compromisso ético. A compreensão conceitual é muito importante para a qualidade da ação. Pensar-sentir-agir.
Exemplo: estamos saindo por uma porta e a pessoa que estava andando na nossa frente solta a porta e ela bate na nossa cara. Nós tínhamos presumido que a pessoa sustentaria a porta e nos deixaria passar. Raiva é a reação inicial que se desencadeia em nós pela ação do outro. Logo percebemos que essa pessoa que estava na nossa frente é cega. Para onde vai a raiva? Ela se dilui porque uma nova percepção nos permite reavaliar a situação, conectando-nos com o real. A visão mais abrangente, abarcadora, é a da interdependência. Ela nos conduz à compaixão, à não violência.
Ajustes finos com a realidade, isso nos levará a emoções positivas. “Os neurônios que disparam acabam por formar soldados juntos.”
“Lojong” ─ treinar a mente para se tornar mais compassiva, positiva, saudável.
- Meditação analítica: exame cuidadoso, não é olhar externamente, desmembrar algo, reduzir algo a uma fórmula.
- Meditação estabilizadora.
Todos temos uma capacidade inata para a compaixão. Os biólogos evolucionistas contemporâneos chegam a afirmar que essa capacidade também a têm os animais, ao menos com suas crias, com seus filhotes.
Foram mostradas 3 lâminas com resultados comparativos entre grupos de praticantes da compaixão e outros sem prática. Os primeiros reagiram a situações estressantes de maneira muito menos violenta.
Inteligência social = empatia.
A parte da amídala em nosso cérebro é algo assim como um radar que detecta o que precisamos para sobreviver, detecta perigos. O teste era mostrar imagens de sofrimento, pessoas feridas, doentes. O grupo de meditadores era sensível a elas, tinha empatia, mas não entrava no sofrimento, não deprimia. Não entrava na doença do cuidador, na fadiga da compaixão.
Sete pontos para o treinamento da mente é um bom livro clássico. Em tibetano é Lojong.
Compaixão ─ os seis pontos do programa
Meditação é estritamente “treinar”, “familiarizar-se” com certas habilidades. Bhavana em sânscrito significa “cultivar”.
Compaixão é uma profunda motivação de liberar, minimizar o sofrimento alheio. Desejo para que os outros tenham alívio ou para nós aliviarmos o sofrimento dos outros.
Como cultivar a compaixão? Quais os componentes da compaixão? A empatia, o desenvolvimento da atitude amorosa. É o que acontece com uma mãe ao cuidar da sua criança. Ninguém tem de dizer a ela isso. Biologicamente está disponível para oferecer cuidado, atenção amorosa para seu filho.
Lojong oferece certas técnicas, estratégias para que esse afeto possa expandir-se além dos filhos, para outras pessoas além dos familiares, mesmo os inimigos, adversários.
Para ampliar a capacidade de afeto é necessário demolir os preconceitos que colocam os outros em 3 categorias: 1) irrelevantes, 2) amigos, e 3) inimigos. Essas são as barreiras que congelam os outros em categorias muito estreitas.
Se quisermos ter o desejo de aliviar o sofrimento alheio, temos que começar por compreender que as causas do sofrimento podem ser removidas.
Autocompaixão, desejar nos livrar de sofrimentos inúteis provocados por ciúme, inveja, raiva, estados mentais que contribuem para nosso sofrimento – precisamos ter alguns insights sobre nosso próprio universo, em primeira mão – isso nos leva a Cultivar Insights dentro dos Pensamentos e Emoções.
Diariamente temos medo, desejos, rejeições etc. E precisamos de instrumentos que nos permitam observar esses estados mentais. Microscópio e telescópio são instrumentos que mudaram nossa percepção do mundo macro e micro. Essa ferramenta/instrumento é a Atenção estável e refinada. Esta atenção é o fundamento de toda meditação: 2 qualidades: 1) estabilidade emocional, 2) claridade mental.
A nossa mente está tão acostumada a correr que é necessário termos instrumentos tais como: retenção da informação e visão introspectiva.
Se não conseguimos perceber os impulsos desencadeadores de emoções, elas podem entrar em escalada e incendiar como palha seca.
2ª Sessão ─ Sábado, 27 de julho de 2013
Período matutino
Como estamos aqui procurando cultivar a compaixão, podemos pensar em nós como jardineiros. Como estes, precisamos 1) remover os elementos que obstruem o crescimento saudável das plantas e 2) promover o que favorece seu crescimento.
As condições propícias ao crescimento do amor e da compaixão são empatia, proximidade, e evitar envesamento, rejeição, contrariedade crônica, emoções negativas, ciúmes, inveja, egocentrismo, desejo pela fama, foco em nosso auto interesse apenas, sem nos importar com os outros.
Emoções aflitivas impedem o florescimento do amor e da compaixão. Mas também, no próprio momento que elas surgem, já causam estragos, perturbando a nossa paz interior e as relações com os outros.
Como jardineiros, então, temos de nos tornar perceptivos das condições destrutivas, desfavoráveis quando ou tão logo elas emergem. Sabendo que qualquer coisa desencadeia essas emoções, temos que nos preparar, capacitando-nos para não sucumbir a elas. Shantideva no “Bodhicharya Avatara” diz acerca do Lojong: “aqueles que desejam proteger sua mente das emoções destrutivas, têm que promover mindfulness e visão interior (clareza)”. É de Shantideva a imagem da mente impulsiva como sendo um elefante selvagem que pode provocar grandes danos. Porém, estes não chegam nem perto dos danos que uma mente “selvagem” (não educada, domesticada) pode ocasionar.
Como se treina um elefante? Talvez isso nos dê uma pista sobre como treinar a nossa própria mente.
Havaviveka, outro mestre budista, diz como domesticar um elefante: precisamos 1 pilar, 1 corda e um bom treinador. No início o elefante se rebela, mas o treinador, com paciência e persistência, acaba por domesticá-lo.
Mindfulness = manter a consciência da informação. Qual informação? A de que as emoções destrutivas estão aí, ou em nós ou perto de nós, e precisamos evitá-las, transformá-las. Portanto, manter na memória o que nos constrói e também o que nos destrói.
Introspective vision ou vigilance, detectar, perceber, reparar quando um impulso começa a emergir. Isso nos torna semelhante ao treinador que percebe quando o elefante sai do pilar e usa o gancho para restabelecê-lo no pilar. Restauramos o centro perdido. É o mesmo que dirigir um carro em uma estrada, temos que manter a atenção firme e fazer as manobras necessárias para não provocar acidentes. Para manter essa atenção, é necessário aumentar a presença.
Do mesmo jeito que quando machucamos uma perna ou um braço, para recuperar a vitalidade perdida fazemos fisioterapia ou ginástica, levantando-se alteres (pesos). Não fazemos isso sempre e constantemente, mas em um período determinado para fortalecer a musculatura. O mesmo pode se fazer com referência à mente. Como? Contando a respiração. Essa contagem fortalece a qualidade da presença, a consciência do que acontece exatamente no momento. Isso cria musculatura mental. Portanto, a meditação pode ser comparada a uma “academia” onde fortalecemos a “musculatura” da presença.
Adicionalmente, é preciso vigilância interior que nos permite notar as distrações, as “viagens”. Também é necessário detectar o estado torpe, quando perdemos clareza, letargia ou falta de energia, narcotização, adormecimento.
Shamatha em 9 estágios é ilustrado na metáfora do elefante, que simboliza a nossa mente que, em seu estado primário, é preto. Nós somos o monge que está com o gancho e a corda na mão para educar o elefante. Neste 1º estágio, o elefante está sendo conduzido pelo macaco, que é o símbolo das distrações, agitação, falta de foco.
O nosso progresso é medido pelo nosso sucesso em nos manter longe da agitação e da lassidão.
Passo nº 1 é colocar a atenção sobre a respiração: PLACING THE MIND
Passo nº 2 é colocar continuamente, isto é, voltar à respiração quando ela corre longe, sai do foco: CONTINUAL PLACEMENT. Ainda não conseguimos colocar o laço no elefante. O fogo que está nos estágios é o esforço.
Passo nº 3 é recolocar, ou seja, ter a capacidade de voltar ao propósito de estar consciente na respiração. O elefante já conseguiu ser laçado: REPLACEMENT. Neste estágio há um coelho acima do elefante. O coelho simboliza a lassidão sutil ou a preguiça.
Passo nº 4.
Passo nº 5, o macaco já não está mais na frente do elefante, pois já temos um controle. Contudo, o macaco não foi embora, ele está por aí: CONTROLING.
Passo n° 6 é a pacificação, onde a preguiça desapareceu, o coelho não aparece. A mente está clara, sem nevoeiro: PACIFYING.
No passo n° 7, o macaco está atrás do elefante. Preguiça e excitação, agitação, ainda estão presentes, mas de modo muito atenuado, sutil. Requer um pequeno esforço ainda a manutenção da atenção: COMPLETELY PACIFYING.
No passo nº 8, é necessário um impulso da intenção para ir diretamente ao foco: SINGLE-POINTEDNESS.
No passo n° 9, não há mais esforço. Equilíbrio estável. É um grau de atenção muito elevado. Estamos em completa sintonia com a consciência do que é construtivo e do que é destrutivo: PLACEMENT IN EQUIPOISE. Estado otimizado de clareza mental e presença da consciência. Adquire-se aqui uma flexibilidade de corpo e mente, uma alegria estável.
Tal estado é como ajustar a mente a um telescópio ou microscópio.
O próprio processo de cultivar a motivação já cria grandes benefícios.
Na ilustração do Shamatha, a última cena no topo mostra um elefante que está voltando no caminho, é o símbolo do bodhisatva (aquele que não procura a liberação individual / pessoal). O monge também parece estar voltando ─ ele está livre, leve. Há também 2 caminhos, um caminho bifurcado: o hinayana-theravada e o mahayana.
Mindfulness tem 2 vias de exploração; uma delas é mais estrita e a outra mais ampla. Na explicação da ilustração do Shamatha, é a primeira via, estreita, e está simbolizada pela corda. Estar ciente da respiração, ou da impermanência, ou da interdependência etc.
Na via ampla, é estar alerta sobre quais impulsos ou reações automáticas podem surgir a qualquer momento ─ ter visão interior. Em pali é SATI. Reter informação (a estrita) e a visão interior, isso constitui a visão ampla. Exemplo: ter diabetes ou ser alcoólatra. Se tem diabetes, tem que evitar comer o que prejudica você, tem de ler os rótulos dos alimentos. Um alcoólatra, o simples bater dos cubinhos de gelo em um copo pode desencadear a vontade de beber. A visão interior de perceber em si mesmo o impulso de querer beber. Perceber os gatilhos e desativá-los. Desativar a força que o impulso (fruto do hábito) tem. Vigilância introspectiva= correto entendimento.
A consciência pode ser comparada a uma vela: ela tem a condição de iluminar.
Para meditar, é necessário lembrar: Não é um fim em si mesmo, mas manter a atenção sobre o presente com foco na respiração. Sustentar a capacidade de reter o foco na respiração. Retenção da memória na respiração. Contudo, sabemos que a mente é como o elefante: pode correr para fora do pilar ou dormir. É necessário perceber que perdemos o foco. Não entrar então em julgamento, críticas etc. Simplesmente, ao notar a distração, voltar ao foco sem discursos internos. Se percebemos que entramos em torpor, letargia, enfatizamos o foco e endireitamos a postura.
Período da tarde
Tempos atrás, saiu na capa da revista Times um artigo intitulado “Como ficar mais inteligente, um passo de cada vez.”
O estudo referia-se a mindfulness, e concluiu que a prática diária promovia aumento das ligações físicas do cérebro, melhor memória, melhor aprendizagem, mais inteligente. Além do mais, previne casos de Alzheimer, demência, diminui o estresse.
Mindfulness:
- Reter informação
- Examinar ou vigilância introspectiva
- Ser consciencioso
Em tempos antigos, na Índia, o discípulo de Buda, Kashyapa, foi convidado por um rei para um banquete. Também foram convidados os discípulos do próprio Kashyapa. Boas-vindas com pessoas de ambos os lados dos portões do palácio, flores, incenso e cânticos foram preparados para sua acolhida.
O rei perguntou, quando entrou no salão da refeição, como havia sentido a recepção festiva que lhe fora preparada. Kashyapa respondeu que não havia notado. O rei ficou ofendido. Kashyapa percebeu a contrariedade do rei e lhe disse: “Vou dizer a verdade, estava cuidando dos meus sentidos”. O rei desconfiou que fosse verdadeiro, então Kashyapa lhe sugeriu: “Escolha uma pessoa e dê para ela um vasilhame com óleo. Advirta a ela que se derramar uma gota de óleo, uma outra pessoa atrás dela cortaria sua cabeça”.
A pessoa escolhida percorreu um longo percurso onde, postados aos lados, havia músicos e cantores entoando sons. Quando chegou ao destino, à pessoa que carregava o óleo perguntaram se havia ouvido a música. Ela respondeu que não, tinha de cuidar para não derramar o óleo.
Conseguir manter todo o óleo recebido equivalia a conservar a vida, por isso todo cuidado era pouco.
Outra história fala de um monge que chegou a uma vila onde pediu hospedagem por uma noite. Ali havia pessoas que estavam bebendo e ofereceram-lhe um pouco de cerveja. Ele recusou e disse: “Não, não posso, sou um monge”. Bom, então faça sexo com essa moça. E ele respondeu: “Não, não posso, sou um monge”. Então lhe pediram para matar um bode. Mais uma vez respondeu: “Não posso, sou um monge, como vou matar um bode?”.
Os que estavam no grupo do vilarejo exigiram que uma dessas coisas ele tinha de fazer. Escolheu, então, beber cerveja porque acreditou ser o menor dos males.
Após beber foi dormir, e na manhã seguinte deparou-se com o que havia feito: sexo com a moça e matado o bode. A cerveja lhe havia tirado qualquer clareza mental.
Ações do corpo, da fala e da mente sempre devem ser bem cuidadas, temos que ser vigilantes aos desencadeadores desses impulsos. O importante é não reforçar os padrões negativos que desencadeiam ações perniciosas para nós e para outros.
No jardim da nossa mente, se quisermos cultivar as flores do amor e da compaixão, é necessário conhecer os obstáculos naturais que existem. Por isso, é necessário examinar, observar e detectar quais são os nossos produtos mentais.
Próxima fase é repassar nossa mente em seu estado natural. Nesta fase, não focalizamos na respiração. Deixamos a mente no estado do aqui, do agora, e a atenção vai testemunhar o que for que esteja acontecendo na mente. Se surge a memória de um diálogo feito ontem, se temos alguma sensação no joelho, ou planejamos uma conversa que teremos amanhã, simplesmente testemunhamos, deixamos partir logo que apareçam, sem nos fixar ou rejeitar o que presenciamos.
Todo evento mental é impermanente, portanto agarrar-nos ou rejeitar é reforçar o conteúdo. Não julgamento, não pressupostos. Aceitar a realidade que se apresenta ─ coisas boas, ruins, vergonhosas ou gloriosas, todas são parte de nossa realidade.
A natureza da mente é clara, as suas características são: 1) quando a atividade bagunçada se aquieta como a lama em uma lagoa, as águas clareiam, 2) essa quietude e clareamento vão oferecer mais espaço dentro da própria mente, 3) à medida que a agitação se acalma, emerge um estado de paz, um senso de alegria.
Três metáforas que não são para serem visualizadas, mas para ter presente: 1) o oceano e as ondas: envolva-se com a prática meditativa como as ondas com o oceano. Não lutamos contra as ondas, elas se acalmarão e desaparecerão. A metáfora é 2) é o espaço: ele não tem atividade, não tem características, ele não bloqueia as coisas, ele não segura as coisas. As nuvens se formam no espaço e desaparecem nele. O objetivo é deixar a mente como o espaço, sem bloquear, sem segurar nada. Sem peneirar, reprimir ─ mente desprendida. Isso se chama “monitoramento aberto”, que contrasta com a prática focada, onde a respiração é o objeto de observação. A metáfora 3) é o voo de Garuda, que voa muito suavemente, sem esforço. Na meditação tem de ser assim, sem muito esforço. Metáfora ─ criança inocência (mente do principiante).
Atisha diz: “guardar os sentidos é através de mindfulness, não os bloqueando ou reprimindo, de dia e de noite”.
Vipassana ─ o que busca é focar uma sensação. Topo da cabeça e nos afinamos com essa sensação, depois com outras partes do corpo.
Quando praticamos mindfulness do estado natural da mente, ao testemunhar o que nela está passando, podemos reconhecer os padrões de pensamento, padrões emocionais. Esses padrões repetitivos em nós podem ter origem em nossa infância, em algum tipo de abuso, maltrato. Memórias reprimidas que se expressam parcialmente nesses padrões. O reconhecimento dessas emoções que se repetem em padrões, medo de ao envelhecer não ter mais amigos, saúde, dinheiro, já é um passo importante para minimizar o poder perturbador que elas têm. Esse medo é apenas um pensamento nosso, algo que não está acontecendo realmente, está acontecendo apenas na mente.
Isso nos leva, se a qualidade da análise for refinada, a perceber que mesmo esses padrões mentais são impermanentes. Essa percepção da impermanência nos capacita a não reagir com apego ou rejeição exagerada.
É possível neste estado, que aquela sensação agradável que sentimos quando nos apegamos / agarramos a algo ou alguém, seja também percebida / compreendida como insatisfatória.
A atenção refinada, quando observa com cuidado, mesmo aquele senso de individualidade, de corpo, de órgão, de partículas, esse eu, pode chegar a compreender que não há algo sólido, concreto ou imutável chamado eu. A isso se chama vazio ou não-eu. O eu é um construto, uma construção.
Período Noturno
Autocompaixão
Se observarmos e ficarmos mais cientes de nossos pensamentos e emoções, fica claro que no fundo todos os seres desejam a felicidade, o florescimento, e evitar o sofrimento, ficar livre de sofrimento. Este é um binômio intrínseco à vida.
Aqui, quando falamos de sofrimento, não é o natural (doença, ficar velho, perder coisas ou pessoas), mas aquele que emerge quando nossas expectativas não se cumprem.
Dor é inevitável, sofrimento é opcional.
Shantideva (séc. VII) apesar de nosso desejo de fugirmos do sofrimento, parece que corremos atrás dele. Apesar de querermos a felicidade, a nossa ignorância nos impede de alcançá-la.
Desejos fortes são causa de sofrimento, tudo indica, entretanto, que temos um grande estoque de desejos: ciúmes, raiva, ego autoenfatuado, inveja etc. Estamos escravizados por estes desejos.
Quais são as causas da felicidade? Mindfulness, amor, perdão, desapego, tolerância, humildade são essas causas. Porém, se não as nutrirmos, como pode haver felicidade?
A causa raiz do sofrimento é a ignorância. Mas ignorância não é a única causa de sofrimento. Ignorância é falta de conhecimento e é também conhecimento distorcido.
Vasubandhu ─ quando as predisposições para emoções aflitivas não foram eliminadas, se houver condições que as promovam, elas emergem. É como se houvesse uma predisposição genética. Todos nós temos predisposição para o ciúme, raiva e assim por diante. Eis que, justamente por isso, não devemos projetar coisas ruins ou apegos desmedidos.
Oito Dharmas Mundanos ─ 4 deles são coisas das quais gostamos, portanto, projetamos coisas boas.
1) possessões, riquezas. Outorgar um valor desmedido, uma expectativa de que a riqueza será fonte de felicidade duradoura é um engano. Uma expectativa que nem sempre se realiza, ou seja, não é causa suficiente. Expectativas cegas, idealização, projeções errôneas causam pressupostos como o de que maior a riqueza, maior a felicidade duradoura. Para quebrar tais pressupostos é necessário bom senso, observação da nossa própria vida e da sociedade.
2) Fama, ser importante, ter status é outro dos Dharmas Mundanos do qual gostamos. Porém, a fama não é a fonte da felicidade, pode ser uma condição dela quando na medida saudável. A fama é efêmera. Imagem, famoso, celebridade ─ tudo quanto sobe, desce, dizia Buda.
3) Elogios, aplausos, somos viciados em elogios. Shantideva diz: “sempre haverá alguém para elogiá-lo porque preocupou-se com a crítica de alguém. Sempre haverá alguém para criticá-lo porque ficou enfatuado com os elogios de alguém”.
4) Prazer, conforto. Tome por prazer mesmo aqueles que destroem, como o álcool, as drogas. Prazeres são fugazes e dependem de um estímulo.
Esses 4 descritos acima têm seus opostos:
- rejeição à falta de riqueza;
- rejeição à falta de fama,
- rejeição à falta de elogios e
- rejeição à falta de conforto.
Buda disse: 4 Sumários de Nossa Existência:
- Todas as reuniões terminam em separação. Não ver ou reconhecer isto é motivo de sofrimento.
- Toda acumulação termina em exaustão ou esvaziamento. É necessário sintonizar-se com a realidade para não ter angústia mental.
- Tudo que sobe, desce. Não importa que subamos muito na vida, não é possível subir eternamente.
- Nascimento termina em morte. Isto é inevitável, é parte da realidade. Kisa Gotami era uma mãe no tempo em que Buda estava vivo. Seu bebê morreu e ela ficou arrasada. Foi de mestre em mestre pedindo desesperada que dessem vida a seu filho, que trouxessem seu bebê à vida novamente. Foi ao encontro do Buda e pediu-lhe o mesmo. O Buda lhe disse: “Deixa teu bebê aqui e, por favor, vai buscar um punhado de cereal de uma casa onde nunca tenha morrido alguém alí”. Ela vai de casa em casa e sempre lhe dizem que sim, que havia morrido alguém nesse lar. Após visitar quase todas as casas da vila, Kisa Gotami entendeu que a morte faz parte da vida, é natural. Retorna ao local onde estava o Buda, e após três prostrações, lhe disse: “Obrigada por abrir os meus olhos. Aceite-me como sua discípula”.
3ª SESSÃO
Domingo, 28 de julho de 2013.
Shantideva, no Bodhicharya Avatara diz que se uma pessoa não consegue nem em sonhos se libertar do sofrimento, como poderia libertar outros? Aquilo que facilita a nós tomar a resolução de emergir, sair do sofrimento, é reconhecê-lo como tal. Lembremos que em relação ao sofrimento há o inevitável (tornar-se velho, morrer, separar-se daqueles que amamos, falta de saúde, encontrar as coisas que não desejamos) e aquele que é opcional. Estes últimos, se o manejarmos de maneira correta, podemos libertar-nos desses sofrimentos.
No relato de Kisa Gotami, a agonia que sentiu ao não aceitar a morte do filho, isso era optativo. Quando ela aceitou o inevitável ─ que o filho tinha morrido ─ ela se liberou desse sofrimento opcional.
As 8 obsessões mundanas, as 4 desejáveis e as 4 indesejáveis, todas elas são contraproducentes e destroem nossa felicidade.
Precisamos nos sintonizar com a realidade da impermanência.
Nós não podemos mudar as circunstâncias do mundo exterior e as questões de riqueza, fama e assim por diante. O que sim podemos mudar é a forma de ver, de avaliar as situações do mundo. Shantideva: nós poderíamos cobrir a superfície inteira do mundo para não machucar nossos pés ao andar. Porém, podemos ter uma atitude bem mais simples, que é usarmos sapatos. Abraham Lincoln disse: “a melhor forma de conquistar, vencer um inimigo é torná-lo nosso amigo”.
Autocompaixão ─ Algumas recomendações finais:
- Reserve tempo para refletir sobre o que está nos atormentando. É necessário ir em busca das origens. Queremos ser elogiados constantemente? Temos expectativas equivocadas sobre os outros e as circunstâncias do mundo? Essas expectativas poluem nossa vida interior. Refletir sobre a impermanência das coisas, pessoas, situações e igualmente nossa própria impermanência é um fator poderoso para nos libertar dessas obsessões danosas.
Uma pesquisa sobre “Florescer”, feita na Universidade de Stanford, a pesquisadora mede a felicidade em 3 faixas etárias: abaixo de 40, de 40 a 67 e acima de 67 anos. De acordo com esse estudo é justamente a população que tem mais de 67 anos que manifestou desabrochamento, felicidade, florescimento. Para essa pesquisadora, o fato de saber da finitude e da proximidade da morte faz com que as pessoas dediquem atenção ao que é realmente importante, significativo.
Essas obsessões mal colocadas não são nossa natureza original, são como as doenças, que é preciso curar, tratar e libertar-nos delas. Isto nos conduz ao entusiasmo, autoconfiança, autoestima, otimismo.
A Psicologia Social fala-nos de 3 tipos de vínculo das crianças: 1) ansiedade, 2) atitude de evitar, e 3) base segura, vinculação positiva. Esta última tem mais chances de sentir empatia, compaixão.
Temos, quando egocentrados, 3 categorias de pessoas: 1) aqueles de quem gostamos, nossa família, amigos; 2) nossos inimigos, aqueles por quem sentimos aversão, e 3) aqueles por quem sentimos indiferença.
Desenvolver equanimidade é o caminho para quebrar essas 3 categorias nas quais envolvemos as pessoas. Que direito temos de desejar felicidade para alguns, miséria e sofrimento para outros e absoluta insensibilidade para a grande maioria? Isso não é realístico. Não é justo. É necessário honrar a realidade.
Frans de Waal ─ empatia nos animais. Waal é um pesquisador, e afirma: o primeiro passo para a empatia é a identificação.
Prostração é no budismo tibetano uma prática preliminar. Mãos juntas com polegares para dentro. É um gesto que simboliza a união da sabedoria com a compaixão (o gesto de estar cuidando de algo precioso dentro, que está vazio). Transformação do corpo, palavra e mente, isso nos conduz à felicidade. Mãos no topo da cabeça (transformação do corpo), na altura da garganta (transformação da palavra), na altura do coração (transformação da mente). Enquanto fazemos a prostração, invocamos ou estamos frente a uma imagem do Buda, dos ensinamentos e da sangha. Também se pode pronunciar um mantra. 100.000 prostrações é a prática preliminar que demanda mais ou menos de 1 a 3 meses para realizar.
- Developing appreciation and gratitude for others.
É necessário domar essa atitude auto enfatuada de ser eu o centro de todo o meu interesse. Reconhecer que todos queremos a felicidade e nos libertar do sofrimento nos ajuda a dissolver um pouco esse eu auto enfatuado. Aí há um campo propício para o desabrochar da compaixão. Meu próprio bem-estar depende da felicidade dos outros. O auto centramento é a causa de todos os sofrimentos. O egocentrismo destrói as possibilidades da felicidade.
O senso de gratidão é responsável pela diminuição do egocentrismo. Nesta infinita rede de interconexões somos interdependentes. É necessário refletir sobre quanto nos beneficiamos das contribuições dos outros. Todos nossos confortos são, de alguma forma, presentes que recebemos dos outros. Mesmo alguém que nos trata mal, nos insulta, nos critica, essa pessoa pode estar sendo meu “mestre” da paciência.
A empatia é o caminho mais direto para a compaixão, em consequência da felicidade.
OM-MANI-PEME-HUM: simboliza corpo, fala e mente
MANI ─ joia; simboliza a compaixão que remove sofrimento e suas causas.
PEME ─ lótus; simboliza a “sabedoria que discerne”.
HUM ─ simboliza “união”, integração, neste caso “união de sabedorae compaixão”. O que vai transformar corpo, fala e mente.
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