Denise Ribeiro – Palas Athena

 

Nada naquela manhã de sexta-feira, 11 de março de 2011, dava pistas da tragédia que em poucas horas se abateria sobre o povo japonês. Passava das 2h da tarde quando um violento terremoto (9 graus de magnitude) atingiu o fundo do Oceano Pacífico, próximo da costa noroeste do Japão. Menos de uma hora depois, uma onda de 23 metros de altura inundou a região de Tohoku, arrasando com tudo o que encontrava em seu caminho. E provocando um perigoso acidente nuclear em Fukushima, que é considerado o pior do gênero desde Chernobyl (Ucrânia), ocorrido em 1986.

O avassalador tsunami deixou o mundo consternado, além de um saldo de 19 mil mortos e desaparecidos. Até 2013, mergulhadores continuavam procurando corpos no fundo do mar. Fora as vítimas fatais, outras 2 mil pessoas morreram em decorrência de problemas causados pelos impactos indiretos do tsunami. Dois anos após a tragédia, 315 mil pessoas ainda viviam em alojamentos temporários. Além dos desafios da reconstrução, os japoneses têm aprendido a conviver, nos últimos cinco anos, com a dor profunda dos sobreviventes.

Em 2015, a professora brasileira Helena Kobayashi esteve em Fukushima, com o propósito de trabalhar como voluntária, dando aulas de Yoga para os moradores da região. Dessa forma, teve a oportunidade de ouvir a narrativa de pessoas afetadas emocionalmente pela tragédia. Essa rica experiência ela irá relatar na palestra Tsunami: caminhando com o medo, que será ministrado na Palas Athena no dia 29 de abril.
Durante sua estada no Japão, ela verificou que a reconstrução acontece a pleno vapor. E ficou impressionada com a calma das pessoas que vivem nas áreas atingidas pelo terremoto e a determinação em retomar seu ritmo de vida, quando isso era possível. “Pelo que senti, externamente o japonês não é de demonstrar se está ou não abalado”, conta. No entanto, o fato de estar na cidade como voluntária fez com que algumas pessoas se aproximassem com a disposição de abrir o coração para ela.

Entre as histórias que a professora ouviu há relatos de altruísmo, como a da mulher que perdeu o marido quando ele, após o terremoto, foi buscar o chefe que tinha ficado na empresa. O tsunami o pegou de surpresa no meio do trajeto. “Fica então no ar a sensação de que ‘se ele não tivesse ido….’ “. Outra moça chorou, dizendo que lhe faltam forças para avançar. “Nós conversamos. E eu também me senti meio impotente: como ajudar pessoas à distância?”, pergunta-se Helena. Há ainda a difícil convivência com a radiação, espalhada por algumas partes do nordeste japonês, regiões onde não se permite o trânsito das pessoas.
Helena cita o monge budista Genyu Sokyu, que escreveu um livro sobre os impactos do tsnunami: “Ele relata que muita gente ainda aguarda pessoas queridas retornarem, desejando que tenham sido arrastadas para alguma praia, e que estejam desmemoriadas sob os cuidados de alguma alma bondosa”. A professora conta a história de uma mulher, que a vida inteira vinha trabalhando em ritmo alucinado ¬– fato comum entre os japoneses – na indústria da pesca, com aquelas redes de criação: “O desastre simplesmente brecou esse ritmo e, um dia depois do ocorrido, ela teve finalmente a oportunidade de refletir: e agora, o que faço com a minha vida? Ela me disse que, de certo modo agradece pelo fato de tudo ter acontecido, embora infelizmente muitas vidas tenham se perdido”.

De um modo geral, dentro do aspecto que vivenciou como professora de Yoga, ela acredita que pode estar havendo um aprofundamento do sentido espiritual da vida, nas regiões atingidas, talvez pelo fato de terem de lidar com a morte de uma maneira direta. Entre os exemplos de garra e honradez dos sobreviventes, Helena conta a história de um grupo de meninas que trabalhava num pequeno restaurante, cujo dono se suicidou depois da tragédia: “Elas corajosamente retomaram o restaurante nos moldes que lhes foram ensinados pelo antigo dono”.

Será que os sobreviventes ainda estão abalados pelo medo? Ela acha que não. “Acredito que o maior problema nesse momento, em termos ‘mensuráveis’, é a radiação. Os japoneses trabalham com dados. Medem a radiação em períodos regulares e repassam as informações para a população. Por outro lado, as pessoas se perguntam se estão divulgando os números corretos”, conta. Os vazamentos radiativos afetaram severamente a agricultura, a pesca e a pecuária e ainda impedem que milhares de pessoas que vivem perto da usina regressem às suas casas.

Outro aspecto que divide a população é o muro enorme que se cogita construir ao longo da costa para tentar minimizar os impactos, caso outro tsunami de proporções semelhantes atinja o local. “Muitas pessoas são contra esse tipo de projeto. A vida delas provém do mar, das riquezas do mar. Você deixar de enxergar o mar seria já uma enorme perda”, diz Helena.

Essas e outras experiências em território japonês, a professora compartilhará com os alunos que comparecerem à palestra TSUNAMI: CAMINHANDO COM O MEDO, na sede da Palas Athena em São Paulo. Instrutora de Yoga e também de atenção e concentração nas práticas meditativas, Helena Kobayashi tem doutorado e mestrado pela Yokohama National University, tendo completado 15 anos de vivência no Japão.


Saiba mais: 
TSUNAMI: CAMINHANDO COM O MEDO
29 de abril de 2016, sexta-feira, 19h30 a 21h30