Suzana Camargo

 

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Ela não foi a única. Há centenas de outras histórias de pessoas que arriscaram a própria vida para salvar vítimas do Holocausto. O que faz o relato da enfermeira polonesa ser diferente é que ela não compartilhava a mesma religião das pessoas que estavam sendo mortas pelos nazistas. Irena era católica. E sem se importar com a fé e a crença alheias, não mediu esforços para tirar do gueto da Polônia não uma, duas ou centenas, mas milhares de crianças judias que teriam como destino certo os campos de concentração e a morte. “Ela deu continuidade à vida e não à violência, à morte”, afirmou o Cônego José Bizon, presbítero da Arquidiocese de São Paulo e especialista em Diálogo Inter-Religioso.

Irena Sendler foi a principal homenageada pelo 107º Fórum do Comitê da Cultura de Paz, promovido pela Associação Palas Athena, em parceria com a Unesco, realizado esta semana no auditório do MASP, em São Paulo. O evento marcou ainda o lançamento do livro A história de Irena Sendler – A mãe das crianças do Holocausto, escrito pela jornalista Anna Mieszkowksa e publicado pelo selo da editora Palas Athena.

Além do Cônego Bizon, o Rabino Michel Schlesinger também foi convidado para falar sobre a trajetória da polonesa perante à barbárie da Segunda Guerra e seu legado para o mundo atual. Irena foi membro da resistência e conseguiu salvar a vida de mais de 2 mil crianças. Foi presa, torturada e condenada à morte pela Gestapo, mas conseguiu escapar e viveu até os 98 anos. O livro publicado agora é baseado nos relatos de Irena.

Durante toda a história da humanidade, católicos e judeus sempre viveram momentos pautados pela perseguição e ódio. Para o Rabino Schlesinger, Irena foi uma mulher e católica que viveu à frente de seu tempo. A religião nunca a impediu de enxergar nas crianças seres humanos que precisavam de ajuda. “Irena representa o que há de mais esperançoso na raça humana”, disse o rabino. “Ela vê o outro e está indiferente à raça, ao gênero e ao credo. É uma mensagem que somos todos irmãos”.

Já o Cônego Bizon ressaltou como Irena era extremamente politizada e engajada na luta da resistência. Ela usou de muita criatividade para tirar as crianças do gueto e contou com uma equipe de colaboradores para realizar a tarefa. Alguns sobreviventes, por exemplo, fugiram do gueto dentro de caminhões com produtos de limpeza. “Irena salvou os filhos, netos e as futuras gerações de milhares de famílias de judeus”, disse o religioso.

Mas como a mensagem e o ato de heroísmo de Irena Sendler chegam até os dias de hoje? Para Michel Schlesinger, a polonesa mostra que é possível para a humanidade descobrir que há espaço para todos. “Não podemos nos dar o luxo do silêncio e da omissão, nossa palavra de paz precisa ser ouvida”. Bison aponta como um dos principais legados da história de Irena, o cuidado com as crianças.

Hoje ainda no Brasil temos menores pedindo dinheiro nas ruas, fora das escolas e sem acesso a uma vida digna. “Não podemos falar que as crianças são o futuro do país, se elas não são o presente”, disse o cônego. “Elas precisam de educação, lazer, saúde e principalmente, ser inseridas na nossa sociedade”.

Foto: Ludwik Stawowy/Creative Commons