Suzana Camargo

 

Entrevista concedida pela  Profa. Lia Diskin para o site Planeta Sustentável.

Como habitarmos e sobrevivermos no Planeta Terra sem destruirmos por completo seus recursos naturais? Esta é uma das mais importantes questões que vêm sendo debatidas nos últimos anos pela nossa sociedade. É também o que Lia Diskin acredita ser um dos maiores desafios do ser humano atualmente.

Professora, co-fundadora da Associação Palas Athena e conselheira do Planeta Sustentável, Lia já foi homenageada internacionalmente pelo trabalho em prol dos princípios de não-violência e da divulgação do saber. À frente da Palas Athena, promove cursos, seminários e projetos nas áreas de saúde, educação, direitos humanos, meio ambiente e promoção social.

Na entrevista que segue, Lia defende a necessidade do amadurecimento do ser humano para lidar com conflitos no dia-a-dia. Acredita também que nenhuma sociedade de paz será conquistada sem ética e respeito mútuo.

Que mundo a Associação Palas Athena busca promover?
Nenhum outro mundo senão aquele que já existe, somente com um pouco mais de coerência e consistência. É óbvio que a aceleração de todos os setores, principalmente daqueles que promovem a tecnologia, terminam gerando um estado de complexidade crescente. Não sei até que ponto estamos preparados enquanto seres humanos para dar conta dessa velocidade e justamente por não darmos conta dela, acontecem os descuidos, os desmandos, a falta de qualificação dentro das relações interpessoais e institucionais.

E o que isso provoca nas pessoas?
Um estado de ansiedade crônica que não faz absolutamente bem a ninguém – nem como indivíduos, nem como cidadãos. Não sei se biologicamente estamos preparados para esse estresse permanente que estamos vivendo.

Quais deveriam ser as bases do mundo em que vivemos?
Bases que promovam a saúde em todos os organismos definidas por princípios pactuados e consensuados. Nós chamamos isso dentro do universo da sociedade de ética. Um pacto tácito, que não precisa necessariamente estar pautado em leis escritas, mas através do qual respeitamos os direitos de todos e cumprimos as responsabilidades pelo bem comum. Sem ética nada funciona: não funcionam as relações interpessoais, nenhum projeto coletivo, muito menos um país ou uma nação. E hoje não podemos mais falar somente de um país porque estamos vivendo num contexto completamente globalizado. Se não há respeito mútuo, a convivência fica extremamente complicada e fragilizada.

Qual a importância do saber em nosso mundo?
Sem dúvida o que vai permitir você saber as distinções entre as ilusões, aquilo que se vende como produto de felicidade, produto de bem-estar e conforto e o que é realmente consistente. Hoje se tem a propagação de que o céu é o limite e isso não é verdadeiro. Temos limites muito concretos e possibilidades de trabalhar dentro destes limites, sem opressão. O limite não deve oprimir, pelo contrário, confere identidade. Quem abre mão dos limites, seja como pessoa ou cidadão, simplesmente perde a identidade e não se reconhece como aquilo que é ou aspira ser. O saber é fundamental para discernir o que é ofertado e aquilo que é propagandeado em nossa sociedade pautada pelo consumo, na posse de bens – nesse caso tangíveis e não intangíveis.

Ainda estamos muito distantes de viver numa sociedade guiada pela Cultura de Paz?
Se você entende a Cultura de Paz como um estado em que não vai haver ruídos ou conflitos, há uma impossibilidade no mundo atual. Já avançamos muito, hoje somos muito mais humanos do que há 100 ou 500 anos. Naquela época não se questionava a escravatura ou os direitos das mulheres e das crianças. Estamos sem sombra de dúvida avançando no processo, mas não acredito que haja um avanço completo e que não possam ser explorados novos caminhos, novas oportunidades e repertório de valores. Dentro do contexto de Cultura de Paz, tal qual foi concebido pelas Nações Unidas, a conflituosidade é inerente ao processo democrático, mas ainda temos que aprender a lidar com ela de uma forma madura, cordata e minimamente amigável. É absolutamente natural ter conflitos seja no ambiente familiar ou de uma empresa, entretanto, não se pode entender isso como uma afronta pessoal. Obviamente esse comportamento revela uma falta de maturidade e treino para se lidar com a animosidade.

É muito difícil aceitar a opinião do outro?
Vivemos numa sociedade mais horizontal, em que não temos necessariamente que atender demandas de autoridade, seja no seio familiar dada por um pai ou no seio institucional, dada por um chefe, na escola por um professor. Essas relações mais horizontais aumentam o nível de conflituosidades. As pessoas expressam seus anseios, necessidades e interesses e isso provoca muito mais ruído do que tínhamos em gerações anteriores. Antigamente não se discutia com o pai ou um chefe. Hoje não, existe a possibilidade de discordar. Essa liberdade gera muito mais variáveis de escolha e gera naturalmente mais conflitos. Ainda temos dificuldade de lidar com a diversidade e a pluralidade. Precisamos aprender a aspirar por elas, não somente tolerá-las.

Qual é o maior desafio da humanidade atualmente?
O maior desafio nos apresentado hoje é como dar conta de ser e estar nesse mundo de uma maneira que não seja predatória. Recentemente tivemos um alerta das Nações Unidas sobre as emissões de carbono. Estamos extrapolando a maneira de estar nesse mundo de uma maneira amigável. Nós tornamos espoliadores desinteligentes porque estamos simplesmente depredando fontes, que não serão repostas no capital da natureza. A ostentação de consumo, criada pela geração yuppie dos anos 80, é algo completamente imoral. Vamos ter que mudar nossa maneira de estar dentro do mundo, em que o desperdício e a condição abusiva de recursos terão que ser repensados.

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