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Crédito: Soma.CP Comunicação


Interessados pelo tema de cultura de paz lotaram auditório do MASP

Crédito: Soma.CP Comunicação


Educadores explicaram as dificuldades de iniciativa de justiça restaurativa em comunidade da zona sul da capital paulista

Com auditório lotado, na última terça-feira (10/5), aconteceu mais um evento do Fórum do Comitê da Cultura de Paz, no Museu de Arte de São Paulo. Em sua 88º edição, esse encontro reuniu duas especialistas da cultura de paz: a cientista social Petronella M. Bonnen, doutora em educação pela Universidade de São Paulo com tese sobre justiça restaurativa e mestra em educação, com pós-graduação em mediação de conflitos; e Joanne Blaney, mestra em educação pela Universidade de Marlyland e cientista política. Ambas atuam no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CDHEP).

As especialistas explicaram o programa Perdão e Justiça, voltado para formação e capacitação de pessoas e organizações para a construção de uma sociedade de paz. Dentro dessa iniciativa,há o projeto Escola de Perdão e Reconciliação. Elas explicaram a atuação, os desafios, os efeitos e os envolvidos nesse projeto. Também foi lançado um livro resultado da aplicação desses conceitos de justiça restaurativa*(ver no final do texto) a cerca de 1.500 crianças e adolescentes, professores e comunidade.

Joanne comentou que a aplicação dos conceitos de justiça restaurativa a crianças ajudou na diminuição da agressividade. “A mudança interna é fundamental para o que pede a cultura de paz”, afirma. A cientista política disse que as crianças hoje usam argila nas atividades escolares, como ações sugeridas pela educação popular, fazem a ligação entre leitura e escrita com a importância da espera; aprendem a controlar a raiva e espera o outro falar.

A educadora explicou que foram necessárias oficinas de sensibilização. Para isso, foram criados quatro núcleos de práticas restaurativas* (ver no final do texto). “Os jovens são convidados a lidar com raiva. É necessário saber perdoar. O mais difícil é a gente se perdoar. É importante para o convívio em uma sociedade”, reforça.
Desde 2006, Joanne apresentou que a entidade promove as escolas de Perdão e Reconciliação. Ela pontuou serem práticas necessárias para o conhecimento cognitivo e emocional. “Aqui tentamos controlar as emoções, como raiva, desejo de vingança. Possibilita outros conhecimentos”, esclarece.

Um dos pontos mais indicados pela própria comunidade foram os grupos de confiança (87%). São espaços criados para todos falarem, exporem o que desejam resolver. “Essa prática ajuda a ter outro olhar, por meio de uma comunicação assertiva”, reflete Joanne.

Essas práticas, segundo a educadora Joanne, colaboram que a responsabilização de um ato seja sempre compartilhada. Ela também indicou dificuldades na trajetória desse projeto, como: conflitos de valores que geram divergências para crianças e adolescentes; mudanças na equipe e novos alunos entrando durante o ano; falta de tempo aos educadores para se tornarem multiplicadores com os pais e outros adultos.

Joanne também esclareceu a diferença entre perdoar e reconciliar. “A gente entende que a reconciliação é entre as pessoas. Posso perdoar sem falar, mas reconciliar é construir novamente as relações”, elucida.

O porquê ainda no foco

Com o tema da tese de doutorado sobre justiça restaurativa, Petronella questionou a lógica da verdade. Estruturou da seguinte forma: dos fatos (o quê?); dos sentidos (por quê?); e das necessidades (para quê?). A educadora disse que em uma punição dificilmente é questionada para quê, sempre fica até a questão por quê. “Cada envolvido no conflito tem suas próprias verdades. O processo de reconciliação pede a construção de uma verdade mínima, aceita por todos.”

Segundo a cientista social, as pessoas foram treinadas para dizerem o que sentem e precisam se sentir seguras no ambiente. Para ela, as pessoas entendem a vida pela punição. “O tribunal de justiça dificilmente colabora para esse movimento de restaurar”, diz. Bonnen esclareceu a punição como algo para fazer sofrer alguém intencionalmente. “O conteúdo não é desejado. Ele se torna sujeito a uma vontade alheia. Esta imposição, submissão, torna difícil como meio para reforçar a responsabilidade e a cidadania”, ressaltou.

Ela comenta que a Escola do Perdão e Reconciliação apresenta a necessidade de desconstruir a necessidade de punir. Uma saída é a confrontação com os próprios atos, uma tentativa de responsabilização e autoresponsabilização dos envolvidos em ofensas e crimes. A ideia é educar o sujeito para que ele reconheça a responsabilidade, restaure o que foi danificado. Ela termina com um pedido: “Busquemos o caminho do perdão, menos vingança, ações conjuntas, menos isolamento, restauração menos punição, igualdade, menos competição, uma solidariedade que leva para a reconciliação”.


*Justiça restaurativa
Pode ser definida como um procedimento de consenso, em que a vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a cura das feridas, dos traumas e perdas causados pelo crime. Trata-se de um processo estritamente voluntário, relativamente informal, a ter lugar preferencialmente em espaços comunitários, sem o peso e o ritual solene da arquitetura do cenário judiciário, intervindo um ou mais mediadores ou facilitadores, e podendo ser utilizadas técnicas de mediação, conciliação e transação para se alcançar o resultado restaurativo, ou seja, um acordo objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e se lograr a reintegração social da vítima e do infrator. Não se trata de desjudicialização ou privatização de gestão de conflitos penais, mas de democracia participativa no processo judicial, a partir de outra perspectiva.


*Prática restaurativa
É o procedimento restaurativo, ou seja, que, ao invés de punir, se proponha a restaurar as relações e lesões produzidas por um comportamento que viole as relações do ofensor com a vítima e a comunidade, de forma colaborativa e responsável, e não contenciosa. E que veja no conflito uma oportunidade de transformação existencial dos sujeitos envolvidos, que participam voluntariamente do procedimento, em que terão voz para expressar seus traumas e suas necessidades oriundas do crime, onde as lesões deverão ser reparadas. Todo conflito, e não apenas os de fundo criminal, podem ser tratados restaurativamente.

Fonte: Setor3